sábado, 22 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE QUEM NÃO GOSTA DE LER



 Ler direito ou pegar no trampo

História de leitura. Eu detesto ler. Lá em casa a gente tinha que obrigação de ler qualquer coisa. Meu pai, que estudou pouco, queria que os filhos lessem direito – como ele vivia falando. Lê direito! Nunca entendi o que queria dizer, odiava aquelas horas de obrigação e chatice.

Meus irmãos acabaram gostando desse troço, mas eu num tem jeito. Ficava arrepiado quando as professoras me achavam na sala e logo diziam: “Agora é a vez de Alex ler.” Se eu pudesse, levantava da cadeira e ia embora. Quanto mais eu fingia que tinha dificuldade na leitura, as professoras me faziam voltar na leitura e repetir. Deus do Céu, que vontade de morrer!!! Por que todo professor cisma que o aluno tem que ler? Por que não chamam só as crianças que gostam de ler? Parece que elas adivinham e só chamam as crianças que não querem ou não sabem ler direito.

Eu só li quando era obrigado lá em casa ou na escola. Eu acho esse negócio de ler “um porre”. Eu não entendo porque tem gente que gosta de ler. Tenho um colega que lê só livro grande. Eu já disse para ele parar com aquilo, que não dá sangue pra ninguém. Tem é que pegar no trampo.

Alex Monteiro de Lima, 25 anos, vigia noturno - Texto de Terezinha Cypriano- Histórias que ouvi, set 2012.
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 Leitura! Tô fora!!!

Já li alguns livros, não muitos. Todos porque as professoras de Português pediam para fazer um trabalho qualquer. Eu lia, era pra nota, tinha que ler. As professoras sempre elogiaram o jeito que eu lia. Elas diziam que eu lia direitinho. Sempre ouvia elas dizerem: ”Viu, ler é isso aí que Tânia fez. Lê direitinho, faz as paradas dos pontos certinhos.” Acho que ler é fácil. Não tive problema na época em que estava aprendendo a ler. Também minha mãe me ajudava, fazendo as tarefas comigo. Quando ela não podia me acompanhar nas tarefas, ela chegava e perguntava tudo: o que eu tinha feito, pedia pra eu recontar a história que tinha lido, revisava toda a tarefa e se encontrasse alguma coisa errada, tinha que refazer. Acho que isso tudo facilitou minha passagem pela escola.

Mas toda essa facilidade que eu tive com leitura não me deixou apaixonada por livros, muito menos ler. Não sei dizer o porquê. Só sei que não faço a menos questão de ler e muito menos fico procurando livros por aí. Quanto tenho que fazer algum curso e aparece apostila, papelzinho, sei lá mais o que, fico irritada, com vontade de ficar sentada no fundo da sala só ouvindo. Eu aprendo melhor ouvindo do que ficar lendo, lendo, lendo. Demora muito ler. Coisa chatinha. Sei que você é professora de Português. Mas... Fala sério!! Tô fora!

Tânia Mara Alves, 27 anos- Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi - set 2012.

HISTÓRIAS DE QUEM GOSTA DE LER



                                                                Se num lê, esquece

Meu nome é Maria Estela, tenho 53 anos. Sou casada. Tenho 3 filhos, 2 continuam estudando, graças a Deus! Nasci e cresci na roça. Lá em casa meu pai deixava a gente estudar pouco, dizia que precisava dos filhos na enxada para ajudar na casa. Por minha mãe, ela queria mesmo a gente na escola, mas naquela época até ela sofria nas mãos do meu pai.

Fui na escola até completar 12 anos. Nossa custei me conformar com aquela maldade do Seu Jojão – apelido do meu pai, que Deus o tenha. Trabalhou tanto e morreu sem nada... Às vezes eu ia na cidade e ficava lendo tudo que aparecia na minha frente, eu achava que porque eu não ia mais na escola eu ia esquecer da leitura – não é esquecer da leitura, deixar pra lá, não. Meu medo era esquecer como era saber ler, sabe como é? Eu sabia que meu pai e minha mãe não sabiam ler, na minha cabeça era porque não foram na escola e eu tinha ido, mas não ia mais, eu ia esquecer tudo que tinha aprendido. Lia papel do chão, jornal velho, caixinha de comida, tudo. Parecia que eu ficava só esperando aparecer qualquer coisa com letra para eu treinar e não esquecer a leitura. Depois que me casei, saí da roça, tive as crianças e continuava lendo. Quando minhas crianças começaram ir para escola, eu aproveitava as lições de casa deles e ficava ali, por perto, para eu pegar alguma lição. Gostava de ler os textos para meus filhos e quando estava ocupada, pedia para eles lerem pra mim e assim eu fui aprendendo mais e ajudando meus filhos tirar nota boa na escola.

Quando eles cresceram foram se virando, eu me matriculei no EJA perto de casa e terminei a 4ª série. Nessa época, minha professora levou a turma para conhecer a biblioteca e escolher um livro ou uma revista para levar para casa. Continuei estudando, com muita dificuldade, mas consegui chegar no Ensino Médio. Hoje trabalho aqui no hospital com carteira assinada, consegui sair da roça e fazer a vida de meus filhos diferente. O mais velho não quis continuar os estudos, mais foi até o Ensino Médio, como os outros dois que continuam fazendo cursos por aí.

E eu continuo lendo, de vez em quando consigo livro com as colegas, vou na biblioteca da prefeitura, tenho uma vizinha que trabalha lá e ela me ajuda escolher. Se eu pudesse tinha um monte de livro lá em casa. “Lê é bão”.

                                            Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi- set 2012
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 Dos quadrinhos ao jornal fresquinho

Quando criança eu lia RECRUTA ZERO e PATO DONALD. Meu pai e meu irmão gostavam de ler esses quadrinhos. Meu irmão que era bem mais velho que eu, comprava todas. Ele é o que mais gostava. Eu pequeno, devia ter uns 5 anos, via meu irmão lendo e morrendo de rir. Toda revistinha nova, muita risada. E mais revistinhas. Muita risada. Acho que tive cedo a ideia que ler era divertido.

Eu as pegava só depois que meu pai e meu irmão liam os quadrinhos. Eles nunca deixavam a meu alcance enquanto não devoravam, acho que essa a palavra. Talvez eles achassem que eu ia rasgar, já que não sabia ler. Eu, inocente, pegava as revistinhas usadas que ficavam embaixo da mesinha de centro da sala e ficava imitando aqueles dois adultos que tanto admirava. Só que eu sabia apenas folhear, ver as gravuras e rir. Ria imitando, principalmente meu irmão que se espalhava todo no sofá. Acho que inventei histórias para combinar com os desenhos.

Por muito tempo eu brincava de ler. Mais as brincadeiras de que mais gostava eram ximbra (bola de gude) e rodar pião no terreiro do lado da minha casa, lá em Maceió. Mas até aos 7 anos, quadrinhos em minha casa eram fartura. E eu me divertia com eles. O único lugar em que não lia porque não tinha livro nem biblioteca era na escola.

Rapaz eu passei a comprar minhas revistas, mas eram as de mulher pelada e ... aquelas... Sabe? Que todo rapaz quer aprender para poder ficar com as “mulé”? Então, li muito esse tipo de revista. Tinha que trazer todas escondidas de minha mãe. Nossa Senhora se ela pegasse... Jogava fora e falava por um mês. Tinha que ter imaginação pra ela passar longe delas.

Mas você pode achar que eu continuo com essas revistinhas “proibidas”, aliás, hoje ninguém mais se interessa, o mundo “tá tudo mudado”. Acho que nem existe mais. E eu também cresci e estou bem mais velho. Mas não deixei de ler.

Hoje eu estou cego há 3 anos por causa do diabetes, não posso ler mais. Mas até acontecer isso comigo, eu lia muito, sempre gostei, não de livros, não... jornal. Diariamente eu comprava um jornal. Nos finais de semana, comprava pelo menos três jornais diferentes. Passava a manhã lendo e comparava opiniões divergentes de um mesmo assunto, opiniões semelhantes, matérias tendenciosas. Aprendi muito. Tenho até hoje lembranças de minhas leituras, saudade dos meus jornais. Ouço rádio diariamente, mas nada vai substituir o prazer de folhear um jornal fresquinho, saído do forno...

             Claudio Roberto Fernandes, 57 anos, aposentado - Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi  -  set 2012 

O SABONETE PREMIADO


 

Memórias de infância: Memórias de Um Cabo de Vassoura – Orígenes Lessa; na pré-adolescência: Meu Pé de Laranja Lima – José Mauro de Vasconcelos. Do primeiro, só lembro que o personagem ficava dentro de um armário e dali ele via o movimento da casa; do segundo, do menino Zezé que aprontava e apanhava muito, mas tinha o carinho de sua irmã mais velha. São as únicas lembranças de leitura nessas duas fases da minha vida.

Já adulta, trabalhando no Distrito de São Joaquim em Quatis/RJ tinha que pernoitar toda semana numa quarto reservado aos professores que ficava dentro da escola. Na primeira noite, tentando fazer as horas passarem rápido, percebi uma porta daquelas largas e pesadas. E, curiosa, tentei empurrar. Uma, duas, três tentativas, nada! Perdi o interesse. Sentei a mesa e fui adiantando as intermináveis tarefas que competem a minha profissão: correção, plano de aula... chegou o sono, doooorrrrmmmi. Nas semanas seguintes, aquela porta não despertou mais interesse. Acho que me acostumei com ela ali parada sem função nenhuma. Estática. Na penumbra. Nessas semanas tudo foi per-fei-ta-men-te i-gual.

Uma noite, que parecia ser idêntica a tantas outras, aconteceu um fato corriqueiro, quer dizer seria corriqueiro em qualquer outro lugar, mas não foi ali, naquele quarto. Quando as lembranças retornam fico arrepiada! Desculpe minha emoção! Ficou marcado em minha alma. Acho que nunca terei palavras para descrever aquela noite sem energia. Não a minha, mas a elétrica.

Pois é, sem energia elétrica, sozinha, fui atrás de um toco de vela que fosse para clarear o pequeno quarto. Aí você vai dizer: “Só vela e o fósforo”!? Não, eu tinha isqueiro, eu curtia puxar e soltar fumaça naquele tempo. Parei com isso há muito tempo - assim eu poderia ajeitar minha cama e... dormir. Vasculhei um pequeno guarda –roupa de solteiro e nada. Subi em um banco para olhar em cima dele. Nada. Criado-mudo. Nada. Olhei em volta e não tinha mais móveis para vasculhar.

...

Acendi o isqueiro, na última tentativa. Caso contrário, me dirigiria à cama e esperaria a luz voltar. Tentando resolver o impasse, lembrei que no banheiro havia um caixote pendurado na parede por uma corda que não tinha cor, parecia mumificada pelo tempo. Aliás, uma paradinha para reflexão- corda tem cor? – Dirigi-me ao banheiro, úmido que só ele, passei a mão com receio de encontrar pela frente uma barata ou outro inseto afim. E nada! Logo à direita, uma janelinha basculante meio metro a cima da minha cabeça, tive de ficar na ponta dos pés para fazer uma varredura na esperança de um toquinho de vela. Mas encontrei algo que não procurava. Um pedaço usado de um sabonete rosa descoloridíssimo, disforme. Trouxe-o para perto de mim, olhei-o e joguei-o no chão...

Barulho estranho, o sabonete, quando caiu no chão produziu um ruído que me fez esquecer o que realmente procurava, abaixei e peguei de volta aquilo que um dia fora um sabonete. Olhei com interesse e virei-o na mão e para minha surpresa surgiu - é essa a palavra - surgiu uma chave que, por alguns longos segundos não me remetia a nada.

Fui dormir, no escuro mesmo. No meio da noite, saltei num só pulo. A chave da porta misteriosa. A chave... levantei e dirigi-me à porta nem reparei que luz voltara no meio da noite. Foi a maior emoção. Naquele pequeno quarto havia um enorme tesouro que marcou minha vida, acho que minha alma. Centenas de livros estavam distribuídas em quinze prateleiras perfiladas. Esqueci de dormir. Houve uma “extraordinária força naquele meu primeiro encantamento” Passei a noite toda mergulhada nos livros: coleção de Monteiro Lobato – li todos durante as semanas que se seguiram. Livros didáticos daqueles bem didáticos mesmo, onde peguei o gosto e fui fazer graduação em Letras e olhe que no “ginásio” (?) eu o-di-a-va as aulas de Português.

E foi assim que construí minha memória literária, quando o acaso me apresentou o mundo dos livros enquanto eu andava distraída. Hoje pela manhã ouvi uma frase mais ou menos assim: ”A literatura é a única coisa que diferencia o homem do animal irracional, porque no resto somos iguais.”

Mas... espera aí! Quiseram esconder a chave da biblioteca? Esconder de quem?Por quê?

                                                           Terezinha Cypriano, Contando a gente não esquece, set 2012

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Minhas Memórias da Escrita


                                                      
Sou do tempo da vi-tro-la...Heim? Pois é! Ouvia Michael Jackson quando iniciava sua carreira com apenas 5 anos de idade. Ah, Diana Ross também! Nessa época ninguém admitia ouvir música nacional era... como se diz... “pagar mico”.

As coisas foram evoluindo de tal maneira que só agora estou me dando conta. Aprendi datilografia. Tinha prova e tudo. Não sei quantas batidas por minuto a gente era aprovada, “Mel Dels”! Escrevi e ainda escrevo a lápis no papel, com giz no quadro-negro, no quadro-verde. Agora, quer dizer, há um ano meu quadro é B-R-A-N-C-O. Vou espera mais vinte para ter o quadro digital. Que bom!

Lembro que antes disso tudo, na infância, tinha uma tabuleta rosa do tamanho do tablet onde eu escrevia com giz e apagava com um paninho. Não tenho a menor idéia de onde aquilo tenha saído. Talvez fosse de minhas irmãs que são mais velhas que eu. Sei lá...

Quando iniciei no computador, grava em disquetes, assistia filme em fita de vídeo casset. Impressora matricial eu achava o máximo na época, porque não era preciso mais escrever nas matrizes. Lembra de matriz? Matriz que me lembra do mimeógrafo. Era uma beleza!!! Passava uma manhã inteira escrevendo na matriz e minutos depois o álcool do mimeógrafo,  “queimava” todo o trabalho quando exagerávamos na quantidade de álcool na mantinha de algodão que passava um um rolo compressor. Que coisa mais esdrúxula! Aquilo não era coisa de Deus, com certeza!

Lembro que em 2003, fiquei impressionada com a facilidade de se preparar planos de aulas nos computadores. A estética dos trabalhos, das provas feitas no computador não tinha precedente. Era tudo que eu queria, pois odiava as maquininhas a álcool. Então, resolvi me dedicar e aprender a mexer com computador. Fiz curso, li, pedi ajuda aos filhos, passei madrugadas treinando. Digitava páginas de pequenos livros para agilizar a digitação. Comprei uma scanner, aí ninguém mais me segurou! Já troquei umas três vezes de computador por outros mais modernos. Atualmente, tenho mais facilidade em redigir textos quando estou diante de um “bichinho” desses.

                                                                                 Terezinha Cypriano, in Contando a gente se lembra, set 2012