sábado, 22 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE QUEM GOSTA DE LER



                                                                Se num lê, esquece

Meu nome é Maria Estela, tenho 53 anos. Sou casada. Tenho 3 filhos, 2 continuam estudando, graças a Deus! Nasci e cresci na roça. Lá em casa meu pai deixava a gente estudar pouco, dizia que precisava dos filhos na enxada para ajudar na casa. Por minha mãe, ela queria mesmo a gente na escola, mas naquela época até ela sofria nas mãos do meu pai.

Fui na escola até completar 12 anos. Nossa custei me conformar com aquela maldade do Seu Jojão – apelido do meu pai, que Deus o tenha. Trabalhou tanto e morreu sem nada... Às vezes eu ia na cidade e ficava lendo tudo que aparecia na minha frente, eu achava que porque eu não ia mais na escola eu ia esquecer da leitura – não é esquecer da leitura, deixar pra lá, não. Meu medo era esquecer como era saber ler, sabe como é? Eu sabia que meu pai e minha mãe não sabiam ler, na minha cabeça era porque não foram na escola e eu tinha ido, mas não ia mais, eu ia esquecer tudo que tinha aprendido. Lia papel do chão, jornal velho, caixinha de comida, tudo. Parecia que eu ficava só esperando aparecer qualquer coisa com letra para eu treinar e não esquecer a leitura. Depois que me casei, saí da roça, tive as crianças e continuava lendo. Quando minhas crianças começaram ir para escola, eu aproveitava as lições de casa deles e ficava ali, por perto, para eu pegar alguma lição. Gostava de ler os textos para meus filhos e quando estava ocupada, pedia para eles lerem pra mim e assim eu fui aprendendo mais e ajudando meus filhos tirar nota boa na escola.

Quando eles cresceram foram se virando, eu me matriculei no EJA perto de casa e terminei a 4ª série. Nessa época, minha professora levou a turma para conhecer a biblioteca e escolher um livro ou uma revista para levar para casa. Continuei estudando, com muita dificuldade, mas consegui chegar no Ensino Médio. Hoje trabalho aqui no hospital com carteira assinada, consegui sair da roça e fazer a vida de meus filhos diferente. O mais velho não quis continuar os estudos, mais foi até o Ensino Médio, como os outros dois que continuam fazendo cursos por aí.

E eu continuo lendo, de vez em quando consigo livro com as colegas, vou na biblioteca da prefeitura, tenho uma vizinha que trabalha lá e ela me ajuda escolher. Se eu pudesse tinha um monte de livro lá em casa. “Lê é bão”.

                                            Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi- set 2012
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 Dos quadrinhos ao jornal fresquinho

Quando criança eu lia RECRUTA ZERO e PATO DONALD. Meu pai e meu irmão gostavam de ler esses quadrinhos. Meu irmão que era bem mais velho que eu, comprava todas. Ele é o que mais gostava. Eu pequeno, devia ter uns 5 anos, via meu irmão lendo e morrendo de rir. Toda revistinha nova, muita risada. E mais revistinhas. Muita risada. Acho que tive cedo a ideia que ler era divertido.

Eu as pegava só depois que meu pai e meu irmão liam os quadrinhos. Eles nunca deixavam a meu alcance enquanto não devoravam, acho que essa a palavra. Talvez eles achassem que eu ia rasgar, já que não sabia ler. Eu, inocente, pegava as revistinhas usadas que ficavam embaixo da mesinha de centro da sala e ficava imitando aqueles dois adultos que tanto admirava. Só que eu sabia apenas folhear, ver as gravuras e rir. Ria imitando, principalmente meu irmão que se espalhava todo no sofá. Acho que inventei histórias para combinar com os desenhos.

Por muito tempo eu brincava de ler. Mais as brincadeiras de que mais gostava eram ximbra (bola de gude) e rodar pião no terreiro do lado da minha casa, lá em Maceió. Mas até aos 7 anos, quadrinhos em minha casa eram fartura. E eu me divertia com eles. O único lugar em que não lia porque não tinha livro nem biblioteca era na escola.

Rapaz eu passei a comprar minhas revistas, mas eram as de mulher pelada e ... aquelas... Sabe? Que todo rapaz quer aprender para poder ficar com as “mulé”? Então, li muito esse tipo de revista. Tinha que trazer todas escondidas de minha mãe. Nossa Senhora se ela pegasse... Jogava fora e falava por um mês. Tinha que ter imaginação pra ela passar longe delas.

Mas você pode achar que eu continuo com essas revistinhas “proibidas”, aliás, hoje ninguém mais se interessa, o mundo “tá tudo mudado”. Acho que nem existe mais. E eu também cresci e estou bem mais velho. Mas não deixei de ler.

Hoje eu estou cego há 3 anos por causa do diabetes, não posso ler mais. Mas até acontecer isso comigo, eu lia muito, sempre gostei, não de livros, não... jornal. Diariamente eu comprava um jornal. Nos finais de semana, comprava pelo menos três jornais diferentes. Passava a manhã lendo e comparava opiniões divergentes de um mesmo assunto, opiniões semelhantes, matérias tendenciosas. Aprendi muito. Tenho até hoje lembranças de minhas leituras, saudade dos meus jornais. Ouço rádio diariamente, mas nada vai substituir o prazer de folhear um jornal fresquinho, saído do forno...

             Claudio Roberto Fernandes, 57 anos, aposentado - Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi  -  set 2012 

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