Meu nome é Maria Estela, tenho 53
anos. Sou casada. Tenho 3 filhos, 2 continuam estudando, graças a Deus! Nasci e
cresci na roça. Lá em casa meu pai deixava a gente estudar pouco, dizia que
precisava dos filhos na enxada para ajudar na casa. Por minha mãe, ela queria mesmo
a gente na escola, mas naquela época até ela sofria nas mãos do meu pai.
Fui na escola até completar 12
anos. Nossa custei me conformar com aquela maldade do Seu Jojão – apelido do
meu pai, que Deus o tenha. Trabalhou tanto e morreu sem nada... Às vezes eu ia
na cidade e ficava lendo tudo que aparecia na minha frente, eu achava que
porque eu não ia mais na escola eu ia esquecer da leitura – não é esquecer da
leitura, deixar pra lá, não. Meu medo era esquecer como era saber ler, sabe
como é? Eu sabia que meu pai e minha mãe não sabiam ler, na minha cabeça era
porque não foram na escola e eu tinha ido, mas não ia mais, eu ia esquecer tudo
que tinha aprendido. Lia papel do chão, jornal velho, caixinha de comida, tudo.
Parecia que eu ficava só esperando aparecer qualquer coisa com letra para eu
treinar e não esquecer a leitura. Depois que me casei, saí da roça, tive as
crianças e continuava lendo. Quando minhas crianças começaram ir para escola,
eu aproveitava as lições de casa deles e ficava ali, por perto, para eu pegar
alguma lição. Gostava de ler os textos para meus filhos e quando estava
ocupada, pedia para eles lerem pra mim e assim eu fui aprendendo mais e
ajudando meus filhos tirar nota boa na escola.
Quando eles cresceram foram se
virando, eu me matriculei no EJA perto de casa e terminei a 4ª série. Nessa
época, minha professora levou a turma para conhecer a biblioteca e escolher um
livro ou uma revista para levar para casa. Continuei estudando, com muita
dificuldade, mas consegui chegar no Ensino Médio. Hoje trabalho aqui no
hospital com carteira assinada, consegui sair da roça e fazer a vida de meus
filhos diferente. O mais velho não quis continuar os estudos, mais foi até o
Ensino Médio, como os outros dois que continuam fazendo cursos por aí.
E eu continuo lendo, de vez em
quando consigo livro com as colegas, vou na biblioteca da prefeitura, tenho uma
vizinha que trabalha lá e ela me ajuda escolher. Se eu pudesse tinha um monte
de livro lá em casa. “Lê é bão”.
Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi- set 2012
---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Dos quadrinhos ao jornal fresquinho
Quando criança eu lia RECRUTA ZERO
e PATO DONALD. Meu pai e meu irmão gostavam de ler esses quadrinhos. Meu irmão
que era bem mais velho que eu, comprava todas. Ele é o que mais gostava. Eu
pequeno, devia ter uns 5 anos, via meu irmão lendo e morrendo de rir. Toda
revistinha nova, muita risada. E mais revistinhas. Muita risada. Acho que tive
cedo a ideia que ler era divertido.
Eu as pegava só depois que meu pai
e meu irmão liam os quadrinhos. Eles nunca deixavam a meu alcance enquanto não
devoravam, acho que essa a palavra. Talvez eles achassem que eu ia rasgar, já
que não sabia ler. Eu, inocente, pegava as revistinhas usadas que ficavam
embaixo da mesinha de centro da sala e ficava imitando aqueles dois adultos que
tanto admirava. Só que eu sabia apenas folhear, ver as gravuras e rir. Ria
imitando, principalmente meu irmão que se espalhava todo no sofá. Acho que
inventei histórias para combinar com os desenhos.
Por muito tempo eu brincava de
ler. Mais as brincadeiras de que mais gostava eram ximbra (bola de gude) e
rodar pião no terreiro do lado da minha casa, lá em Maceió. Mas até aos 7 anos,
quadrinhos em minha casa eram fartura. E eu me divertia com eles. O único lugar
em que não lia porque não tinha livro nem biblioteca era na escola.
Rapaz eu passei a comprar minhas
revistas, mas eram as de mulher pelada e ... aquelas... Sabe? Que todo rapaz
quer aprender para poder ficar com as “mulé”? Então, li muito esse tipo de
revista. Tinha que trazer todas escondidas de minha mãe. Nossa Senhora se ela
pegasse... Jogava fora e falava por um mês. Tinha que ter imaginação pra ela
passar longe delas.
Mas você pode achar que eu
continuo com essas revistinhas “proibidas”, aliás, hoje ninguém mais se
interessa, o mundo “tá tudo mudado”. Acho que nem existe mais. E eu também
cresci e estou bem mais velho. Mas não deixei de ler.
Hoje eu estou cego há 3 anos por
causa do diabetes, não posso ler mais. Mas até acontecer isso comigo, eu lia
muito, sempre gostei, não de livros, não... jornal. Diariamente eu comprava um
jornal. Nos finais de semana, comprava pelo menos três jornais diferentes.
Passava a manhã lendo e comparava opiniões divergentes de um mesmo assunto,
opiniões semelhantes, matérias tendenciosas. Aprendi muito. Tenho até hoje lembranças
de minhas leituras, saudade dos meus jornais. Ouço rádio diariamente, mas nada
vai substituir o prazer de folhear um jornal fresquinho, saído do forno...
Claudio
Roberto Fernandes, 57 anos, aposentado - Texto de Terezinha Cypriano, Histórias que ouvi - set 2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário