sábado, 22 de setembro de 2012

O SABONETE PREMIADO


 

Memórias de infância: Memórias de Um Cabo de Vassoura – Orígenes Lessa; na pré-adolescência: Meu Pé de Laranja Lima – José Mauro de Vasconcelos. Do primeiro, só lembro que o personagem ficava dentro de um armário e dali ele via o movimento da casa; do segundo, do menino Zezé que aprontava e apanhava muito, mas tinha o carinho de sua irmã mais velha. São as únicas lembranças de leitura nessas duas fases da minha vida.

Já adulta, trabalhando no Distrito de São Joaquim em Quatis/RJ tinha que pernoitar toda semana numa quarto reservado aos professores que ficava dentro da escola. Na primeira noite, tentando fazer as horas passarem rápido, percebi uma porta daquelas largas e pesadas. E, curiosa, tentei empurrar. Uma, duas, três tentativas, nada! Perdi o interesse. Sentei a mesa e fui adiantando as intermináveis tarefas que competem a minha profissão: correção, plano de aula... chegou o sono, doooorrrrmmmi. Nas semanas seguintes, aquela porta não despertou mais interesse. Acho que me acostumei com ela ali parada sem função nenhuma. Estática. Na penumbra. Nessas semanas tudo foi per-fei-ta-men-te i-gual.

Uma noite, que parecia ser idêntica a tantas outras, aconteceu um fato corriqueiro, quer dizer seria corriqueiro em qualquer outro lugar, mas não foi ali, naquele quarto. Quando as lembranças retornam fico arrepiada! Desculpe minha emoção! Ficou marcado em minha alma. Acho que nunca terei palavras para descrever aquela noite sem energia. Não a minha, mas a elétrica.

Pois é, sem energia elétrica, sozinha, fui atrás de um toco de vela que fosse para clarear o pequeno quarto. Aí você vai dizer: “Só vela e o fósforo”!? Não, eu tinha isqueiro, eu curtia puxar e soltar fumaça naquele tempo. Parei com isso há muito tempo - assim eu poderia ajeitar minha cama e... dormir. Vasculhei um pequeno guarda –roupa de solteiro e nada. Subi em um banco para olhar em cima dele. Nada. Criado-mudo. Nada. Olhei em volta e não tinha mais móveis para vasculhar.

...

Acendi o isqueiro, na última tentativa. Caso contrário, me dirigiria à cama e esperaria a luz voltar. Tentando resolver o impasse, lembrei que no banheiro havia um caixote pendurado na parede por uma corda que não tinha cor, parecia mumificada pelo tempo. Aliás, uma paradinha para reflexão- corda tem cor? – Dirigi-me ao banheiro, úmido que só ele, passei a mão com receio de encontrar pela frente uma barata ou outro inseto afim. E nada! Logo à direita, uma janelinha basculante meio metro a cima da minha cabeça, tive de ficar na ponta dos pés para fazer uma varredura na esperança de um toquinho de vela. Mas encontrei algo que não procurava. Um pedaço usado de um sabonete rosa descoloridíssimo, disforme. Trouxe-o para perto de mim, olhei-o e joguei-o no chão...

Barulho estranho, o sabonete, quando caiu no chão produziu um ruído que me fez esquecer o que realmente procurava, abaixei e peguei de volta aquilo que um dia fora um sabonete. Olhei com interesse e virei-o na mão e para minha surpresa surgiu - é essa a palavra - surgiu uma chave que, por alguns longos segundos não me remetia a nada.

Fui dormir, no escuro mesmo. No meio da noite, saltei num só pulo. A chave da porta misteriosa. A chave... levantei e dirigi-me à porta nem reparei que luz voltara no meio da noite. Foi a maior emoção. Naquele pequeno quarto havia um enorme tesouro que marcou minha vida, acho que minha alma. Centenas de livros estavam distribuídas em quinze prateleiras perfiladas. Esqueci de dormir. Houve uma “extraordinária força naquele meu primeiro encantamento” Passei a noite toda mergulhada nos livros: coleção de Monteiro Lobato – li todos durante as semanas que se seguiram. Livros didáticos daqueles bem didáticos mesmo, onde peguei o gosto e fui fazer graduação em Letras e olhe que no “ginásio” (?) eu o-di-a-va as aulas de Português.

E foi assim que construí minha memória literária, quando o acaso me apresentou o mundo dos livros enquanto eu andava distraída. Hoje pela manhã ouvi uma frase mais ou menos assim: ”A literatura é a única coisa que diferencia o homem do animal irracional, porque no resto somos iguais.”

Mas... espera aí! Quiseram esconder a chave da biblioteca? Esconder de quem?Por quê?

                                                           Terezinha Cypriano, Contando a gente não esquece, set 2012

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